[Esse texto ficou enorme, leia em etapas ou segure o fôlego, sorry]
Essa semana estava rolando o maior frisson no Twitter e em algumas redes sociais devido à possibilidade de proibição de 2 classes de anoxerígenos, os à base de Sibutramina e os anfetamínicos. A nota técnica da Anvisa encontra-se aqui. E olha, apesar de alguns termos técnicos, qualquer um que tenha terminado o Ensino Médio consegue ler essa nota técnica e entender satisfatoriamente, mesmo os que não são da área da saúde.
A maior parte comentava que achava um absurdo a proibição porque há pessoas que, de fato, precisam do medicamento para ajudar na perda de peso etc. Outros diziam que, além disso, era uma jogada da Indústria Farmacêutica, pois logo deveria ser lançado um novo medicamento milagroso para emagrecimento.
Assim, eu fiquei chocado porque isso mostra o quanto as pessoas não tem ideia de como funciona a Anvisa, não tem ideia do que é necessário para que um medicamento seja proibido ou passe a ser controlado. Nem de quanto tempo isso leva para acontecer.
Em geral, um medicamento só entra no mercado depois de 10 anos de descoberto, porque são vários anos só pra chegar na molécula que fará os testes animais, pré-clinicos e clínicos. Se, em todos esses testes, a molécula (é chamada de fármaco agora, eu acho) apresentar alta taxa de eficiência e eficácia (são conceitos diferentes), baixa toxicidade e, um dos fatores principais, baixo custa de produção do medicamento (lembre-se que o princípio ativo não é o medicamento), aí ele vai pro mercado.
Entretanto, como até hoje sabe-se muito pouco do mecanismo de ação de cerca de 70% dos medicamentos que usamos (em geral, em várias bulas dá para encontrarmos algo do tipo "ainda não é certo o mecanismo de ação de tal substância, mas acredita-se..."), existe um departamento da indústria voltado especificamente para o acompanhamento dos medicamentos que já estão sendo comercializados, é o setor de Farmacovigilância.
Normalmente, como a indústria costuma manipular resultados clínicos para colocar medicamentos no mercado (Casos como o caso do Vioxx e no caso da Talidomida, que não foi retirada do mercado, mas é fortemente - ou deveria ser - controlada), exemplo clássico foi o dos inibidores seletivos da COX-2. Todo mundo que já tomou antiinflamatório sabe que eles tem um efeito colateral gástrico, causando azia e, se usado por muito tempo, até mesmo úlceras. Esses antiinflamatórios são inibidores das enzimas Ciclo Oxigenases 1 e 2, que estão envolvidas na produção dos mediadores químicos responsáveis pela inflamação.
Quando lançaram os inibidores seletivos da COX-2, o grande argumento da indústria era um efeito mais potente com menor quantidade de medicamento e, principalmente, porque causava um efeito colateral gástrico muito menor. Claro, se analisarmos a janela de 6 meses de uso, realmente. Porém, esses remédios tem como alvo, principalmente, aquelas pessoas que fazem uso contínuo (isto é, têm doenças crônicas), logo 6 meses é uma janela muito pequena.
Nos testes clínicos conduzidos pela própria indústria, atestou-se que, em 1 ano de uso, os inibidores seletivos da COX-2 causam muito mais danos gástricos e hepáticos que os inibidores não seletivos. Mas só foram descobrir isso depois de muito tempo de comercialização, o que fez com que esse tipo de medicamento fosse indicado para utilização por apenas 6 meses, sendo trocado após esse período. E, mesmo após a descoberta desses resultados dos testes clínicos, isso demorou muito para acontecer. O FDA (Food and Drug Administration, a Anvisa dos States) levou ainda alguns meses para esse proibição.
Aonde eu quero chegar com isso tudo? Que a Sibutramina só foi proibida depois de muita pesquisa (acreditem, a nota técnica da Anvisa não foi a única, olhem as 20 páginas de referências e me digam se está cientificamente incorreto), ela pode causar diversos distúrbios cardiovasculares e comportamentais. (vale lembrar que a Sibutramina é inibidora da recaptação de dopamina, serotonina e noradrenalina, hormônios responsáveis por controle da temperatura, nível de batimento cardíaco e até mesmo a sensação de felicidade). Estou comentando mais da Sibutramina, porque é o medicamento dessa classe mais famoso, provavelmente.
Meu ponto final é: porque proibir um medicamento blockbuster (todos entendem o porquê do 'apelido'?) mesmo quando sua patente já foi expirada? Para a indústria, isso resulta em PREJUÍZO. Para a Anvisa, isso resulta em QUALIDADE DE VIDA. Em linhas gerais, podemos dizer que a Anvisa é INIMIGA da indústria.
Qualquer um que veja as regulamentações para propaganda de medicamentos, por exemplo, perceberá que embora os artigos ainda estejam longe do ideal, eles possuem, sim, diversas restrições extremamente complicadas para indústria. Esse é, inclusive, um dos motivos porque o departamento de Marketing das indústrias farmacêuticas, por exemplo, tem preferência por Farmacêuticos marketeiros, exatamente pelo conhecimento técnico que eles têm, capaz de embasar uma propaganda.
Vale lembrar que esse problema todo é só devido à possibilidade de proibição desses medicamentos. Nem é fato consumado, ainda.
Como o post já está enorme, vou deixar para um segundo momento a discussão da utilização desse tipo de medicamento, de forma geral.
12 comentários:
Gosto da sua veia técnica... rs.. Agora, sobre o seu PS, na verdade eu estou torcendo pro Eah te matar de prazer (ui!) e todo mundo ter um final feliz!
Abraços, meu amigo!!!
desculpa, mas desisti de ler no meio... postagem tem que ser mais dinâmica, enxuta. isso aí é uma carta! hehe
Cara, eu juro que queria ter paciencia para escrever um post tão técnico como esse... xD
Adorei, cara... Você conseguiu traduzir para quem não é da área a gravidade do problema...
O pior disso tudo é que esse tipo de substancia já está sendo comercializada ilegalmente. Então, se a ANVISA tomar qq tipo de providencia com relação a isso, o problema não será retirado por completo.
O que deveria mesmo ser feito é uma campanha que alertasse a população sobre isso tudo de maneira acessivel (porque agente sabe que só profissionais de saude entendem fluentemente a lingua das bulas de remédio, ainda mais quando se trata de uma substancia que apresenta tantos riscos).
Enfim, achei super válido... xD
Um abraço, amigo
Até o próximo
Poxa... nem sei o que dizer.. só sei que eu li, tudo.
~Inté.
*DB*
Adorei o texto. É muito válido fazer isso que você fez, abrir os olhos do pessoal que só sabe reclamar quando criam-se essas regras assim "do nada", sendo que não é bem "do nada", né? E pior que eles ainda tentam fazer isso pro bem das pessoas.
Railer foi bobo, devia ter feito como eu, que comecei a ler a partir de "Aonde eu quero chegar com tudo isso". Rá!
É sempre assim né? Tudo em nome das vendas.
Eu sou a favor do "Não sabe usar ou não tem certeza do que faz? Tira isso logo daí!" Mas né, não sou eu que controlo a produção de venda de remédios no mundo...
Team Anvisa forever... hahaha
Se é droga... sou a favor.
Hahahahahahahaha!!!!!
Planos tenebrosos são sempre bacanas! Eu acho!
Belo texto, uma aula de farmacologia, e aceite isso como um grande elogio, vindo de um enfermeiro.
Além de tudo isso a maioria das pessoas não sabem que alguns medicamentos servem para efeito X e o utilizam por seu efeito colateral, como para emagrecer...
Abraços!
Cara, minha irmã foi louca e tomou esse remédio por um tempo. Depois que parou, engordou tudo de novo... Cara, por que as pessoas sempre querem o caminho mais fácil para tudo? Emagrecer é difícil, eu sei, mas se você fizer da forma correta (exercícios e alimentação) os resultados serão duradouros e você se sentirá muito melhor... =/
Enfim...
Bjs
Li atentamente tudo, mas nao entendi blockbuster ... É engraçado. As pessoas falam mal das regulamentações e proibições sem saberem de nada ...
Li atentamente tudo, mas nao entendi blockbuster ... É engraçado. As pessoas falam mal das regulamentações e proibições sem saberem de nada ...
Postar um comentário